dor cronica

A hipnose é uma das mais incompreendidas, e eficazes, ferramentas para o crescimento e a cura disponível no mundo atualmente. Quando falamos em “hipnose”, a maioria das pessoas pensa em shows de mágica, controle da mente, e até mesmo em feitiçaria. Na realidade, nada poderia estar mais longe da verdade. Foi na área da saúde, e orientada por uma rigorosa ética médica, que a hipnose foi desenvolvida como ferramenta terapêutica.

Dá-se o nome “hipnose” ao um conjunto de técnicas que visa melhorar a concentração e minimizar as distrações habituais, elevando a capacidade de resposta às sugestões para a alteração de pensamentos, sentimentos, comportamentos, ou estados fisiológicos. A hipnose não é um tipo de psicoterapia, tampouco um tratamento em si, mas um procedimento que pode ser utilizado para facilitar outros tipos de terapias e tratamentos, tornando-os mais breves e eficazes (APA, 2009).

Desde 1950, o uso clínico da hipnose foi aprovado pela Associação de Medicina Britânica e Sociedade de Medicina Americana, sendo atualmente recomendado pelas principais sociedades médicas, psicológicas e até pela Organização Mundial da Saúde. Todos os meses, estudos são publicados mostrando a eficácia da hipnose em uma variedade de áreas.  Ao todo, são mais de 140 mil artigos científicos e pesquisas empíricas já realizadas, sendo a técnica psicológica mais estudada na história da ciência (NASH, 2000).

Um estudo meta-analítico, que avaliou dezoito pesquisas sobre a hipnose no combate a dor, mostrou que 75% dos casos clínicos e experimentais obtiveram substanciais alívios a partir de técnicas de hipnose. Assim, a hipnose parece ser eficaz para a maioria das pessoas que sofre de diversas formas de dor. Um dos seus benefícios é a capacidade de alterar os componentes psicológicos e afetivos da experiência da dor, fato que pode reduzir ou até bloquear a percepção da dor (Lynn, Kirsch, Barabasz, Cardeña, & Patterson, 2000).

Nos últimos anos, a eficácia da hipnose em diminuir a sensibilidade à dor, foi estudada por experimentos bem controlados e se descobriu que ela está associada a reduções significativas em: avaliações da dor, necessidade de analgésicos ou sedação, náuseas e vômitos, e tempo de permanência nos hospitais. O seu uso também tem sido associado com um melhor resultado global após o tratamento médico e de uma maior estabilidade fisiológica. Os cirurgiões e outros profissionais de saúde relataram níveis significativamente mais elevados de satisfação com seus pacientes tratados com hipnose do que com seus outros pacientes (Montgomery, DuHamel & Redd, 2000; Patterson &  Jensen, 2003).

As estratégias psicofisiológicas da hipnose são equivalentes ou mais eficazes que outros tratamentos para a dor aguda e crônica, podendo implicar em economia de tempo e dinheiro dos pacientes e médicos. Um estudo sobre os tratamentos da dor, concluiu que as técnicas de hipnose para o alívio da dor aguda são superiores ao tratamento padrão, e muitas vezes melhor do que outros tratamentos reconhecidos para a dor. Além disso, uma análise de custo, realizada em 2002, pelos radiologistas Elvira Lang e Max Rosen, comparou a sedação consciente por via intravenosa com a sedação por hipnose, durante o tratamento radiológico, os resultados mostraram que o custo da intervenção por hipnose foi duas vezes mais barato do que o procedimento de sedação padrão.

Os pacientes que são mais receptivos à hipnose em geral, encontraram maior alívio com essas técnicas, mas as pessoas com receptividade moderada, a maioria, também obtém melhora. Fatores como motivação e a aderência ao tratamento também podem afetar a capacidade de resposta às sugestões hipnóticas.

Analgesia hipnótica tem sido usada com sucesso em uma série de intervenções em muitas clínicas, hospitais e centros de queimadura, e consultórios odontológicos. No caso da dor aguda, vários procedimentos cirúrgicos , tratamento de queimaduras (trocas de curativos e a retirada dolorosa do tecido da pele morta ou contaminada), controle da dor no trabalho de parto, e dor relacionada à saúde bucal, especialmente para com as crianças.

As condições de dor crônica para a qual a hipnose tem sido usada com sucesso incluem, entre outros, cefaléia, dor lombar, fibromialgia, carcinoma, dor de desordem têmporo-mandibular e dor crônica mista. As condições crônicas, no entanto, podem exigir um plano global que atinge vários aspectos além da experiência da dor. O paciente pode precisar de ajuda para aumentar os comportamentos que promovam o bem-estar e a atividade funcional (por exemplo, exercícios, boa alimentação) desafiando padrões de pensamentos disfuncionais (do tipo, “eu não posso fazer nada sobre a minha dor”), restaurando a amplitude de movimento e da mecânica corporal adequada, e assim por diante.

Entre os maiores desafios para a larga implementação da hipnose na área da saúde encontram-se a falta de capacitação profissional e a luta contra a cultura do medicamento, imposto por poderosas indústrias, que tentam associar as práticas terapêuticas invariavelmente à ingestão de remédios. Segundo a médica Marcia Angell, do Departamento de Medicina Social da Universidade de Harvard, “As [empresas] farmacêuticas gastam dezenas de bilhões de dólares para seduzir os médicos oferecendo viagens e convenções. E o pior, muitas vezes fazem isso fingindo que os estão educando. O resultado dessa convivência é que os médicos aprenderam um estilo de medicina que se baseia em remédios…  Os médicos estão aprendendo que para cada reclamação de um paciente há um medicamento que soluciona o problema.”.

Enquanto a visão da cura pelo remédio predominar na medicina e os aspectos psicológicos e psicossociais da dor não forem devidamente compreendidos e tratados, os tratamentos continuarão reduzindo a dores a um conjunto de padrões elétricoquímicos e o problema das dores continuará “sem remédio” e persistindo de forma crônica.

Utilizar as ferrramentas psicológicas disponíveis e, comprovadamente eficientes, como a hipnose, implica não só em ganhos qualitativos no tratamento dessas patologias, mas também na superação da visão dicotomista que teima em separa mente e corpo.

Referências:

Lang, E. V., & Rosen, M. P. (2002). Cost analysis of adjunct hypnosis with sedation during outpatient interventional radiologic procedures. Radiology, 222, pp. 375-82.

Lynn, S. J., Kirsch, I., Barabasz, A., Cardeña, E., & Patterson, D. (2000). Hypnosis as an empirically supported clinical intervention: The state of the evidence and a look to the future. International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis, Vol. 48, pp. 235-255.

Montgomery, G. H., DuHamel, K. N., & Redd, W. H. (2000). A meta-analysis of hypnotically induced analgesia: how effective is hypnosis?International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis, Vol. 48, pp. 138-153.

Patterson, D. R., & Jensen, M. P. (2003). Hypnosis and clinical pain. Psychological Bulletin, Vol. 129, pp. 495-521.

Rainville, P., Carrier, B., Hofbauer, R. K., Bushnell, M. C., & Duncan, G. H. (1999). Dissociation of sensory and affective dimensions of pain using hypnotic modulation. Pain, Vol. 82, pp. 159-71.